sexta-feira, 20 de agosto de 2021

No blogue dos Professores do Liceu Nacional da Póvoa de Varzim constavam temas pouco integrados no seu objectivo principal. Trouxemo-los agora para aqui ficando o anterior exclusivamente dedicado aos professores. Este novo blogue funciona assim como um complemento daquele. 


1 - Conselheiro Abel de Andrade

Na origem do Liceu da Póvoa de Varzim está um grande vila-condense, o Conselheiro Abel de Andrade.

Logo em Outubro de 1904, a Póvoa homenageou-o, conforme registou o Estrela Povoense:


Inicio da primeira página do jornal Estrela Povoense de 2 de Outubro de 1904 que dá conta de uma homenagem poveira ao Conselheiro Abel de Andrade.


Nasceu ele em Vila do Conde a 5 de Outubro de 1866 e faleceu com 91 anos em Lisboa, em 6/5/1958.

Foi “sócio da Academia de Ciências de Lisboa, do Instituto de Coimbra, da antiga União Internacional de Direito Penal, da Academia de Jurisprudência e de Legislação de Madrid, da «International Law Association» de Londres, colaborou largamente nas mais importantes revistas de Direito de Portugal”.



Cons. Abel de Andrade.

Em 1912, se não erramos, a revista A Póvoa de Varzim evocou o Conselheiro Abel Andrade com o texto que se segue, encimado de fotografia: 

Tem a consagração da Póvoa de Varzim este ilustre cidadão que prestou relevantes serviços à instrução deste concelho quando Ministro da Instrução Pública no extinto regime.

Sua Ex.a tributava muita afeição por esta terra, conquistando logo as simpatias dos seus habitantes, que viam em Abel Andrade um cavalheiro de primorosas qualidades e um homem de Estado recto e justiceiro.
Foi o grande amigo desta terra que vendo-a num estado material tão progressivo, mas decadente na instrução, sem escolas em edifícios próprios, brindou-a com três escolas oficiais: uma na rua dos Banhos, outra na rua Direita e ainda outra ao lado da capela da Lapa, passando para elas os professores que leccionavam em casas particulares.
Sua Ex.a, vendo que a Póvoa de Varzim possuía um Instituto Municipal, elevou-o (em 1904) à categoria de Liceu Nacional, fazendo passar pela assinatura régia o decreto da sua criação, conseguindo depois a Câmara o donativo de 4 contos do Governo para manter-se até à 5.ª classe, cuja quantia tem sido variável, conforme as conveniências governativas.
Ante a boa vontade de ser prestante à nossa terra, sua Ex.a cada vez mais enraizou no coração dos poveiros profundas simpatias, e estes lhe prestaram um brilhantíssimo banquete no Teatro Garrett, que decorreu delirante.
Foi então que a Câmara Municipal resolveu – e muito bem – prestar-lhe homenagem de gratidão por tão grandes melhoramentos materiais, mudando a placa onde se lia «Rua Direita» e colocando outra com esta designação Rua Conselheiro Abel Andrade – nome que soa tão bem pela dedicação que sua Ex.a tem por esta linda praia, dedicação que raras vezes se vê nos estadistas e nos governos.

É por isso que nos nossos corações está escrito em caracteres de ouro o nome do Sr. Dr. Abel Andrade, como um benemérito da Póvoa de Varzim, porquanto sua Ex.a, não sendo povoense, tem direito à consagração de quem só benefícios recebeu.

A rua Conselheiro Abel Andrade é hoje a que, saindo da porta principal da Escola Secundária de Eça de Queirós, vai para o largo da Dores.

Aquando da sua morte, ocorrida em 6/5/1958, o Diário de Notícias lembrou a sua figura e obra num extenso currículo. Na Enciclopédia Verbo vem sobre ele um elogioso artigo assinado por Marcelo Caetano.

Na juventude, Abel Andrade viveu a escassas centenas de metros da casa de Antero de Quental, de quem se tornou amigo (Década Dourada de Vila do Conde de Ana Mª A. Martins).

Integrado teórica e praticamente na doutrina do catolicismo romano em que foi educado, essa sua orientação transparece sempre tanto na direcção dos seus cursos na Faculdade de Direito e nas sessões do Conselho Superior de Instrução Pública como em numerosas alocuções políticas e conferências que proferiu.
Com carta de Conselho por decreto de 1901, o Sr. Conselheiro Abel de Andrade possuía entre outras condecorações as Grã-Cruzes da Ordem da Coroa de Itália, de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e da Ordem de S. Silvestre, conferida pelo Papa Pio XI.
Publicou os seguintes volumes que acentuam o grande valor do seu espírito de jurista e da sua vasta cultura humanista: «A Síntese Cartesiana. Influências do Cartesianismo sobre o Racionalismo. Estudo teórico-prático», com prefácio de Teófilo Braga (1892); «A Parede e as minhas Responsabilidades» (1892); «Crítica Literária» (1892); «Princípio das Nacionalidades» (1893); «Administração e Direito Administrativo» (1893); «A João de Deus»; «Memória Apresentada ao Congresso N. de Tuberculose»; «Crítica Financial» (1895); «Evolução Política em Portugal» (1895); «Comentário ao Código Civil Português» (1895); «A vida do Direito Civil», 5 vol. e um fasc. (1898-99); «Síntese Histórica das Doutrinas Económicas» (1898); «Ciência Económica» (1898); «Direito Comercial» (1899); «Crítica da Diferenciação do Direito Penal» (1922); «Primeiras Linhas dum Curso de Processo Criminal» (1926); «Circunstâncias Dirimentes da Responsabilidade Criminal» (1929); «Regime Jurídico-penal de Vadios, um Ensaio de Pena Indeterminada» (1929); «Da Extradição» (1929»; «Sumário de Lições Magistrais (Cadeira de Direito Penal)» (1931-32); «Sumário das Lições (Cadeira de Processo Penal)» (1930-33); etc., etc.

O Sr. Conselheiro Prof. Conselheiro Abel de Andrade fazia parte do Conselho Fiscal da Empresa Nacional de publicidade. Diário de Notícias

Nos últimos 30 anos da sua vida dedicou-se à causa da Igreja Católica, prestando relevantes serviços ao Patriarcado de Lisboa, que lhe valeram o agraciamento com a Grã-Cruz de S. Gregório Magno. No tempo da Monarquia também recebera a Grã-Cruz de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, tendo sido o último sobrevivente dos possuidores desta extinta condecoração. A sua obra científica ficou dispersa em artigos de revista e outros escritos. VELBC

 Durante décadas, foram numerosas as referências elogiosas ao Conselheiro Abel Andrade  na imprensa vila-condense.

 


2. Prof. José Luís Ferreira: breve antologia


I
Notas filológicas

«Idea Nova», 13/5/1939

O verbo arcaico leixar pas­sou para o moderno deixar, pela permuta de l por d.

*
Há tempos, ao regermos uma aula de Português de 6º ano, apareceu-nos in Ásiade João de Barros, década 1, liv.º 4.º, a palavra leixava. Em nota a esta palavra diz o Sr. Dr. António Sérgio (prefaciador e anotador do texto adoptado):

Deixava. Leixar proveio do latim laxare (cpo francês laisser).
Este verbo foi depois completamente substituído por­ deixar, cuja origem não se acha bem esclarecida; usam-se ainda desleixar, desleixado.

Ora a palavra já tinha sido estu­dada em autores adoptados no 5.º ano e nós já tínhamos dito a razão da mudança ou substituição. Mas, em todo o caso, aconselhámos os alunos a que acrescentassem mais o seguinte à nótula do prefaciador e anotador:
«Relaxe, relaxar, relaxado. O A. da nota ignora que o l se permuta com d, como em escala que deu escadatecelão, tecedeira; lat. humilem que deu o português humilde (aqui desdo­brou-se o 1 em ld); Ulisses Odis­seia, etc.»
Já depois de acabada a lição, ocorreu-nos que já tínhamos noutras ocasiões dito aos alunos que até na linguagem infantil se dá às vezes aquela permuta dos dois sons ou fone­mas e que já tínhamos citado outros mais exemplos de palavras de nossa língua.
Agora, na convicção de que pode­remos ser útil aos queridos alunos que vão fazer exame daqui por dois meses, apresentamos lista mais completa de exemplos da tal permuta, tanto em nossa língua, como até em latim e grego. Ei-la:
Grego Odysseus e latim Ulysseus ou Ulysses ou Ulixese português Ulisses Odisseiano português infantil duare no literário luar; no português infantil deitinho e no literário leitinho, e no infantil dindo e no literário lindo; no português popular de Barcelos inlústria, e no literário indústria; no prop. idem inxúlia ou inxulha e no literário enxúndia; no latim Aegidius e no português Gil; no latim vulgar jud’care e no português julgar; no latim vulgar med’ca e no português melgano grego dákry ou dákryon e no latim lacryma ou lacrima, «a lágrima»; no grego dakryô, «chorar», e no latim lacrymo ou lacrymor, «der­ramar lágrimas, chorar», etc.
Também dos pontos cardiais Sul e Oeste resultou o colateral Sudoeste, como em francês, e nesta língua também Sudeste, de Sud+Est (que em bom português é Suest).
Encontramos ainda no popular de Barcelos lestre ou lestro, «ligeiro, rá­pido» ou «ligeiramente, rapidamente», do latim dexter ou dextrum; e o popu­lar lestreza, sinónimo de destreza, «ligeireza, desembaraço».
E, a propósito de escada escalaocorre-nos que o Se Manel, guarda do Liceu de Viana aí por 1900, chamava escaleira à escadaria do dito liceu (onde hoje é o Governo Civil).
Agora note-se: se qualquer patarata futurista ou modern styl (como dizem os alemães) disser que isto é ciência gramatical de 1900, como certos cretinos que por’i dizem criaturo, a gente ri-se deles e deixa-os com suas habilidades calinóides.
Mas também já no latim havia odor,-oris, «odor, cheiro», a par de olor,-oris, «odor»e o Dicionário La­tino de F. Torrinha regista com esta observação«Parece relacionar-se com odor». E, no mesmo dicionário, compa­rando o verbo odoro,-are..., «exalar cheiro», com o verbo odoror,-ari..., as significações são idênticas. E neles se pode ver também afinidade com odor e com olor.
Vê-se, pois, que deve estar bem esclarecida a origem do deixar, por permuta do l de leixar em d, embo­ra diga o contrário o Sr. Dr. A. Sérgio.

II
Os gatos e a previsão do tempo

«O 28 de Maio», 26/6/1928

Lendo há dias neste jornal a secção de «Sciências e Instrução», em que brilha a pena do meu prezado colega Dr. António Barbosa, cheguei à conclusão de que as ciências até hoje, a respeito de previsão do estado do tempo, não dão mais que uma antecipação de 24 horas.
E, segundo se viu em o n.º 5 do «28 de Maio», ainda é preciso a gente procurar os jornais de Lisboa, para ler o boletim meteorológico do Ministério da Marinha, para saber se há ou não baixas pressões nos Açores.
Já não falamos em dar os 30 centavos diariamente pelo jornal, o que ainda faz encarecer mais a decifração do problema.
Ora, a propósito, lembrei-me de que, sem desdouro para o meu prezado colega, nem para a Ciência mesmo com inicial maiúscula, minha avó paterna já sabia de véspera o tempo que ia fazer no dia seguinte, sem ler os boletins meteorológicos.
Minha avó sabia ler (antes até de se fundar «O Século» e mesmo «O Diário de Notícias», mas nunca lia os boletins meteorológicos do Ministério da Marinha (se é que eles já então se publicavam) para saber o tempo que estaria no dia seguinte. Bastava-lhe observar os gatos quando se lavam!
Esse barómetro é mais barato que o aneróide e que o de Torricelli, não se parte, e... ainda nos caça o ratos e... cria as pulgas.
Pois é verdade, sim, senhores.
Para o lado que estiver voltado o gato (ou a gata, não sendo das de estudante), ao lavar-se, é do lado que correrá o vento dentro de menos de 24 horas.
É observar o espinhaço do gato que se lava, ver que orientação ela tem, e sabe-se logo se no dia seguinte há sol ou chuva.
Sabido é que o vento N. Ou de L. Não dá chuva, ao passo que o de NO. W. Ou S (e as vezes SE.) dá sempre. Pois os gatos não enganam a gente.
Ah, os leitores riem-se? Pois eu também cito prova, como o meu colega. E para testemunhas são dos camaradas dele, um dos quais o meu caro amigo Sr. Capitão Esteves de carvalho.
Era no domingo de Pascoela, 15 de Abril, cerca das 23 horas. Eu vinha passando junto ao quartel militar e nem visa aquele meu amigo nem outro Sr. oficial que estavam à janela do primeiro andar. Foi o Cap. Esteves que me falou, depois que parei e nos saudámos. Estávamos nisto, quando o gato da tropa, no rés-do-chão sobre uns móveis – um lindo gato pardo, por sinal – se lavava por dentro da janela, ali mesmo nas minhas barbas, se lavava voltado para o Mar (mas ele lavava as dele). Interrompi os cumprimentos, do que pedi vénia ao Sr. Cap. Esteves, e disse:
- Quer o meu amigo saber o tempo que teremos amanhã?
- Pois quero, disse ele.
- Então saiba que temos chuva, porque está à minha frente um gato a lavar-se voltado para o Mar.
- Ah, sim?
- É verdade. Se não acredita, experimente amanhã, que depois me dirá se eu adivinho.
E completámos os cumprimentos, e eu disse ao capitão: Logo não se esqueça de ir à romaria da Senhora do Bom-Sucesso, que já se ouvem os foguetes. E despedi-me.
Não sei se ele foi à romaria, que o não vi lá. Fui eu com a família, e não esperei para o fim do dia para regressara a casa. Pelo caminho já apanhámos um chuveiro puxado a vento de W., quase ao pôr-do-sol.
E no dia seguinte?
No dia seguinte que o diga a Póvoa inteira e suas vizinhanças também – qual foi o lindo tempo que fez.
Mas a minha avó ainda conhecia mais processos para saber disto, sem assaltar as folhas. E o que ela sabia, sabe-o toda a gente do meu vizinho concelho de Barcelos.
Como meu colega Dr. Barbosa no imediato n.º deste jornal veio recordar o nosso congresso de Aveiro, do ano passado, em que se aprovou uma tese sobre folclore regional, continuaremos a expor aqui o que sabe o povo a respeito de meteorologia e doutras coisas interessantes. E ainda muita gente se há de rir.


III
Democracia, Liberdade... "Unidade" democrática"

«Idea Nova», 10/09/45


Andam ao rubro certos cérebros estonteados com as palavras Demo­cracia, Liberdade, Unidade De­mocrática, talvez ingenuamente crentes de que serão capazes de arrastar para si, quais magnéticas montanhas, a grande massa da população de Portugal. Não se pode afirmar que anda meio mundo a enganar o outro meio, como é frase feita de há séculos em nosso idioma, porque, na realidade, anda­rão apenas 5% de iludidos a jul­gar que enganarão os 95% res­tantes.
Mas façamos justiça a todos; acreditemos que na efervescência que surgiu nas últimas semanas, onde se notam nomes de muita gente nova que desconhece as mi­sérias e degradações a que Portugal foi levado em dezasseis anos de loucuras e crimes hedion­dos; em tal efervescência, dizía­mos, anda iludida muita gente mo­ça, muita gente generosa e de boa-fé, que não sabe quanto veneno en­cerram aquelas palavras mágicas de que enchem o peito e a boca cer­tos ilusionistas políticos.
Mas os velhos, que bem conhe­ceram tudo o que se passou, des­de 5 de Outubro de 1910 até 28 de Maio de 1926, os que já têm a experiência dura e triste de tão desgraçado tempo que a nossa que­rida Pátria atravessou, esses... es­ses não podem ter a desculpa que aos novos se deve conceder. E não podem tê-la, porque ou foram colaboradores responsáveis dos crimes que desventuraram Portugal (e devem só penitenciar-se), ou foram vítimas inocentes e incapazes de evitar as desgraças da Pátria (e de­vem estar curados e desiludidos até à saturação).
Mas, ao que se lê e se ouve di­zer, parece que os colaboradores das desditas nacionais continuam impenitentes; antes querem acumu­lar novas responsabilidades tremen­das com seus maus conselhos aos novos, a quem desejam enganar, infelicitando-os e à Nação.
Vamos nós avivar a memória aos velhos tontos e desmemoriados, em­bora lhes possamos acordar o re­morso que deviam ter por suas mal­feitorias; e vamos avisar caridosa­mente os novos generosos, para que se não deixem iludir pelo canto da sereia que procura arrastá-los para o abismo. É obra de misericórdia o “dar bom conselho e correcção fraterna”, e nós julgamo-nos com direito de o fazer, porque já temos bastante experiência; e até nos jul­gamos com o dever de aconselhar os novos, porque desde a nossa mo­cidade temos vivido com a juventude esperançosa e temos obrigação de a prevenir contra os embaidores.
Também nós fomos dos iludi­dos, desde os bancos do liceu; tam­bém nós ouvíamos extasiado o canto da sereia, que fazia ouvir harmoniosamente as palavras Democracia, Liberdade... e até Unidade Democrática ou União Republicana. E nós acreditáva­mos, por sermos inexperiente!
Quanta hipocrisia, quanta men­tira havia nas almas que proferiam tais palavras em altos gritos, isso é que nós ainda não tínhamos des­coberto. Mas descobrimos depois, graças a Deus, que o tempo che­gou para tudo.
Da primeira vez que, em Viana do Castelo, saímos para a rua, já noite fechada, já ceia comida, havia barulho, burburinho, gritos à li­berdade (era de inicial minúscula esta liberdade) e... morras aos Jasuítas!
Fomos na cauda daquela pro­cissão nocturnacom outros com­panheiros do caso, estudantes como nós; e fomos observar o que seria aquilo.
Ao chegarmos à residência dos Quesados, na Rua da Bandeira, ou­vimos muitos vivas à liberdade, muitos morras aos Jasuítas, e vimos partir os vidros das janelas dos Reverendos Padres da Companhia de Jesus, e vimos muitos po­bres operários apanhar excremento da rua e atirá-lo às portas e janelas daquela casa!
Mais tarde o jornal O Século chamaria à turbamulta que formava tais cortejos cauda lamacenta de todas as demagogias; mas só foi mais tarde uns dez ou doze anos!
Nós estávamos presente àquele espectáculo, no ano 1.º deste século XX; mas ficámos triste e pen­sativo, sem atinar com os motivos daquela vilania!
Anos depois, fomos aprendendo melhor o que eram manifestações promovidas por doidos que dese­javam ser mentores das massas po­pulares, e fomos compreendendo melhor quanta hipocrisia abrigavam certas almas podres que enchiam a boca, e atroavam os ares, com as palavras liberdade, democracia, etc. Mais tarde... vimos os democráticos perseguir gente hon­rada e pacífica, levá-la no meio de escoltas para as cadeias ou para os comboios, para a meterem em masmorras de Lisboa e arredo­res, ou nos porões de navios; vimos certos democratas fechar tem­plos católicos, proibindo ao Povo Soberano que entrasse nessas igrejas, ou pudesse ouvir missa nas próprias igrejas paroquiais! (A igre­ja paroquial de Cossourado, Barce­los, esteve fechada bastantes me­ses, porque os amigos da Demo­cracia imperante se apossaram da chave, não consentindo que o Pá­roco exercesse no templo as fun­ções sacerdotais)!
Isto era a Democracia deles!.. A Liberdade.., essa foi depois, quando um dia o povo perdeu a pa­ciência, exigiu a chave da igreja aos déspotas que a tinham em seu poder, e... reclamou a liberdade para ouvir missa na sua paróquia. Como alguns dos tais democráticos ficaram quentes das coste­lase como eram eles os detento­res da liberdade alheia, chamaram de Barcelos a G.N.R. e ... nesse domingo, pela tardeapanharam em flagrante delito de motim quantos inimigos políticos isolados encontraram pelos caminhos da fre­guesia! (Note-se bem: foram apa­nhados, 4 a 6 horas depois de aberta a igreja, a um quilómetro, a dois, e a mais, em flagrante delito).
Claro está que, por amor à liberdade, foram esses cavalheiros dormir no quartel da Guarda, em Barcelos, às ordens dos democrá­ticos.
Depois foram julgados e condenados, porque houve testemunhas de vista que por ordem dos de­mocráticos, e por amor à liberdade, juraram a verdade democrática.
Que mais vimos nós? Vimos muitas coisas, e lemos outras no «Barcelense» (e reproduzimo-las no defunto «O 28 de Maio», de há anos).
Os amigos da Democracia e da Liberdade, possuidores do mando, vingaram-se dum adversá­rio que litigava com eles no tribu­nal de Barcelos, por eles quererem ter a liberdade de se apos­sarem dumas águas alheias; e me­teram esse adversário e um criado dele num curral da casa deles, onde tinha morrido um cavalo com mormo! A tragédia sofrida por essas vítimas deu muito que contar e que escrever, porque os tiranos... eram amigos da Liberdade e da Democracia só para si próprios, e tinham na mão a va­ra do poder.
Os presos não foram levados pa­ra a cadeia da Comarca; foram metidos em cárcere privado, du­rante vários dias, nos currais da casa do Administrador do Concelho, na aldeia, porque... então havia Liberdade, havia amor à Democracia!
Nós temos como dever de cons­ciência dizer estas verdades (que ficaram escritas e ainda se podem ler), para que os novos de boa fé, a mocidade heróica e bela, no dizer de Junqueiro, não se deixe encantar pela sereia, nem pelas cantigas de certas raposas manho­sas que os queiram iludir.
Quanto ao amor da Pátria, quanto ao civismo de muitos democratas, não queremos discutir isso, porque muitos deles nos merecem respeito e consideração pela sua sinceridade e honradez. Enten­derão mal, verão com vista estrá­bica o que julgam bem do povo, o bem da Nação? Talvez; mas que Deus os ilumine, os faça ver a direito e compreender com sã consciência o que mais convém a Portugal.
Por hoje só fica uma pequena amostra da Democracia e da Li­berdade.
Se calhar, depois virá mais.

 

 

3. Abertura das aulas no Liceu e Lição de Sapiência em 1934

A sessão de abertura das aulas em nosso principal estabelecimento de ensino, realizada na segunda-feira, constituiu um acontecimento de relevo no nosso meio académico pelo, já pelo brilho de que foi revestido, já pela assistência, que era selecta, já pelos oradores, que se desempenharam cabalmente e seriamente da sua missão.

Acorreram à sessão, além de todo o proficiente corpo docente do Liceu, os directores da Associação dos Antigos Alunos, fundada pelo actual Reitor, Sr. Dr. Paulo de Cantos, numerosos alunos, muitos encarregados de educação e algumas pessoas gradas da nossa terra.
O salão onde se efectuou a festa foi uma das salas de aula, porque o edifício, impróprio para o ensino e mal localizado, não tem salão próprio para festas, como seria para desejar e como exige a decência e a pedagogia. Por não haver salão, a Reitoria não fez convites nem sequer às autoridades, não envolvendo essa atitude desprimor para ninguém. Apesar disso, a sala estava completamente repleta com os alunos, professores, directores dos colégios locais, etc.



Em 1934, o Liceu funcionava ainda na Fábrica do Gás.


O discurso do Dr. Paulo de Cantos

Levanta-se então, entre as vibrantes salvas de palmas da assistência, o Sr. Dr. Paulo de Cantos, professor distinto e ilustre Reitor do Liceu, que proferiu o seguinte breve mas conceituoso discurso.
Ex.mo Sr. Presidente da Associação dos Antigos Alunos,
Ex.mos Srs. Directores dos Colégios,
Srs. Encarregados de Educação,
Caros Colegas,
Meus amigos:

Tudo, neste mundo, tem começo, meio e fim!
Vamos hoje dar início a um novo lectivo. Boa hora seja esta, a du­ma cerimónia singela que ambicionamos se constitua penhor da mais franca e afectuosa familiaridade.
As primeiras palavras que pronuncio são de saudação. Nelas me acompanham todos os prestigiosos e dedicados professores deste estabelecimento de cultura e ensino.
Sede bem-vindos a esta nossa casa! - a fórmula mais paternal e tão espontânea como esse castiço ou po­veiríssimo “Ala arriba!” - expressão terna de companheiros mais velhos aos mais novatos.
Entre nós, outros membros desta família liceal podem gritar: ala, ala, arriba! São os alunos veteranos a “os passaritos”, que chegam agora da escola primária, ávidos de mais luz espiritual e cheios de alegria alvoraçada.
Ora a regra de conduta destes, ou seu lema, à semelhança de outro bem impressivo, pode ser por exem­plo:
O "Pardalito”, o “Terrote”, não se escuta a si próprio. O “Terrote” escuta os velhos pardais.
Que meditem então nuns conse­lhos de amigo, que coordenámos e vão ser ditados pelos “pardalões” da gaiola aberta e dourada que é a vossa Associação Escolar, solidária das solidárias de cada turma e classe, grémio esperançoso e alegre que tem procurado cumprir e servir com devoção, sem prejuízo de obrigação, é claro.
Escutem, pois.
Neste momento, a um sinal do ilustre Reitor, um “pardalão”, o aluno Orlando Lima, lê:
“1.º - Atenderemos sempre às advertências dos nossos superiores, bem como às suas indicações transmitidas pelo pessoal menor”.
E o Sr. Dr. Paulo de Cantos, prosseguindo, comentou:
É o princípio da ordem ou da autoridade e equilíbrio, que é preciso venerar e fazer venerar. Haja alguém que nos governe! - suplica  a cada passo, na bonança como na tempestade, toda e qualquer tripulação dum barco, por mais pequeno que ele seja, senão … triste vida a do marujo.
Outro “pardalão”, o aluno Miguel Montenegro, lança a nova regra de conduta:
“2.º - Dentro do liceu, que é a «alma-mater» de todos nós, proce­deremos como em casa de nossas famílias, procurando, com maior asseio e bom senso, aproveitar os 86.400 segundos de cada dia”.
E o orador acrescenta:

É um enunciado do princípio do método. Determina o máximo e melhor rendimento das energias úteis de cada um.

Mais um “pardalão”, o aluno Martins da Costa, dita o último lema:

“3.º - Fora do Liceu não esqueceremos o respeito que devemos aos nossos educadores e a nós mesmos. Eles representam e continuam os nossos pais. Queremos imitá-los no seu labor e na sua conduta moral e cívica”.
E o Sr. Dr. Paulo de Cantos continua:
É finalmente o princípio do brio. Confere a responsabilidade elegante dos próprios actos.
Em verdade vos digo que acções grosseiras ou mesmo simples palavras grosseiras são indignas da posição a que aspirais na sociedade.

Briosa - a Briosa - tem sido por vezes chamada a classe académica, a que todos temos a honra de pertencer, ou de ter pertencido já, em tempos idos que a saudade relembra sempre comovidamente.
Fica então proposta uma divisa para os primeiranistas e porventura estabelecidos os axiomas da ordem geral, base do método, que é ordem na inteligência, e do brio, que de certo modo é método íntegro, filho da consciência responsável e do sentimento.
Posto isto vai dar-nos o prazer intelectual de proferir este ano a costu­mada Oratio Sapientiae o Ex.mo Sr. Dr. Abílio de Carvalho. Foi há pouco in­vestido no espinhoso cargo de nosso médico escolar, após um concurso público brilhante em que tanto se dignificou, dignificando também o próprio Liceu, pois já vinha desempenhado há anos estas funções a título provisório e muito generosamente, visto que até hoje, nunca recebeu remuneração alguma.
Tem a palavra o Sr. Dr. Abílio Garcia de Carvalho (1).

Coroou as últimas palavras do Sr. Dr. Paulo de Cantos uma estrepitosa e frenética ovação, que, ao esmorecer, recobrou intensidade para aclamar o Sr. Dr. Abílio de Carvalho, que se le­vantara a fim de pronunciar a sua Oratio Sapientiae.

O Discurso do Dr. Abílio de Carvalho

A Oratio Sapientiae, do Dr. Abílio de Carvalho, é uma autêntica lição de Sapiência, um verdadeiro discurso de sabedoria, feito com ponderação, critério e elevação. São multíplices os seus ensinamentos de ordem intelectual e moral. Nesta época de baixo e vil materialismo, em que o homem parece esquecer e menosprezar os princípios eternos sua natureza, da sua vida e do fim para que foi criado, é dever indeclinável proclamar esses princípios eter­nos, essas verdades imutáveis que re­gem os orbes, as sociedades e os indivíduos - por mais que se pretenda o contrário - e a que todo o ente racional tem de obedecer, ainda que apa­rentemente contra eles se insurja.
O Sr. Dr. Abílio de Carvalho não se prendeu a preconceitos erróneos, não olhou a respeitos humanos, não tergiversou entre a verdadeira ciência e a pseudo-ciência, a falsa ciên­cia, entre a verdade sem véu e essas verdades que por aí correm, obnubiladas por muitas mentiras, condimen­tadas com princípios de falsa e perni­ciosa moral.
Initium sapientiae timor Domini o princípio, a base, o sustentáculo de toda a ciência é o temor do Senhor, o temor de Deus - e o Sr. Dr. Abílio de Carvalho não titubeou em procla­mar, no grémio selecto do Liceu -, onde a par de mentalidades já forma­das, já em plena laboração, se encon­tram outras em preparação e que é preciso orientar, corrigindo-lhes todas as propensões para o erro, para o vício e para o mal – não titubeou em proclamar o caminho da verdade, do bem e do belo.
Nós queremos arquivar em nossas colunas a Oratio Sapientiae do Sr. Dr. Abílio de Carvalho, que foi acla­mada pela assistência, que gostou das afirmações categóricas e inelutáveis dessas verdades e desses princípios indestrutíveis que informam e alentam e enobrecem os indivíduos, as socie­dades, as nações e a humanidade.

Segue-se, pois, o discurso do Sr. Dr. Abílio de Carvalho.

Seja-me lícito, antes de entrar no assunto da palestra despretensiosa que inicio, e que, por uma singular distinção que muito me honra, me vi forçado a fazer na abertura do ano es­colar, saudar, com grata admiração e apreço, o ilustre Reitor deste liceu, porque S. Ex.cia, com superior critério e inteligente ponderação em todos os seus actos, tem sabido impor o seu espírito à estima e amizade de todos, quer professores quer alunos, pela de­licadeza, pelo trato distinto, e pela justiça firme e criteriosa, que sabe distribuir igualmente aos tripulantes desta nau, para que ela singre em mar calmo e bonançoso, tendo o cuidado constante de afastar escolhos e evi­tar tempestades. Para S. Ex.cia as mi­nhas homenagens.


Dr. Abílio Garcia de Carvalho

Aos ilustres professores, entre os quais conto dedicados amigos, uns companheiros da juventude nos ban­cos das escolas, outros a quem tive a felicidade de encontrar e conhecer no caminho da vida, a todos, em suma, apresento os meus cumprimentos nes­te momento em que assumo colabora­ção efectiva dentro deste liceu, afirmando-lhes a certeza da camarada­gem leal, franca e amiga, de quem como eu foi incumbido de alta missão neste estabelecimento de ensino; missão que é, simultaneamente, a de ve­lar pela cultura física dos alunos e a, mais ainda, de velar pela sua formação moral, porque ambas contribuem directamente, e de forma manifesta, para o seu desenvolvimento intelectual.
Árdua a missão? Bem sei que o é. Mas nem por isso os meus ombros se sentem fraquejar com as responsa­bilidades que assumi; é que a inteligência segreda-me que, por maior e mais longa que seja a distância per­corrida pelo caminheiro da vida, por maiores e mais fecundos que sejam os ensinamentos que a mesma vida haja proporcionado ao viandante, através de lutas em que o espírito sucumbe tantas vezes para outras tantas re­viver, em que os momentos de glória são falazes como as rosas de Malher­be, e só são de ter em conta quando elevem a alma em pureza e perfei­ção, nem os anos de vida, longos em­bora, nem os ensinamentos filhos de experiência profunda, nem as glórias vivas, são garantia absoluta de que muito mais não haja de aprender ainda o caminheiro, de que muito mais não haja de aperfeiçoar o seu espírito em elevação, a sua alma em pureza, e a sua vida interior em bondade fecunda e actividade benéfica.
E esta certeza, senhores, torna-me convicto de que posso assumir a res­ponsabilidade do meu cargo, porque se venho ensinar aconselhando e ori­entando, tenho como certo também que muito venho aprender; e ela dá­-me a convicção de que um trabalho, operoso embora mas fecundo, pode aqui ser realizado, em benefício desta pequena parcela da juventude portuguesa.
.
Meus senhores:
Os factores de ordem moral e aní­mica têm tão capital importância no nosso desenvolvimento integral que eu vou procurar salientar o seu­ valor, antes de indicar os meios in­dispensáveis para uma boa formação moral.
Dizia um pensador ilustre, já fa­lecido, que foi professor venerando e querido do Liceu de Guimarães, o Cónego Júlio de Miranda:
“Se são grandes os que pensam, são enormes os que sentem”; em tão simples frases não poderia ter sido consubstanciado, numa síntese mais perfeita, um mundo de verdades das mais belas e profundas.
É que se o pensador, através das lucubrações constantes do seu espírito, investiga elabora, ordena e reali­za, desvendando as incógnitas do Universo, ao colocar o nosso pensamento na colina ascendente dos co­nhecimentos, donde nos é dado verificar, sem esforço, que as incógnitas vão aumentando em proporção directa com a quantidade de luz que jorre em nosso espírito, tal como o horizonte aumenta na medida em que­ nos elevamos ao subir a encosta, se o pensador, dizia eu, é grande, incontestavelmente grande pelo esforço de investigação, que por vezes se desdobra em realidades maravilhosas, o homem de sentimento é enorme, pela acção actual e imediata, com que a sua alma em laboração constante comunga dos sofrimentos, atenuando­-os, pela quota-parte que neles exige, exaltando as alegrias pela felicidade que nelas encontra, e vivendo assim para o Bem e o Belo numa actividade constante, que eleva aproximando de Deus.
O homem vale pelo que tem den­tro de si para dar, pelo que pode comunicar aos outros homens, ou seja em ciência consciente e esclarecedo­ra, quer seja em vida espiritual tra­duzida em elevação comunicativa, em caridade magnânima, em ardente fé, e em esperança vivida, sentimentos estes dinamizados pelo desejo cristão de amar aos outros como a si mesmo e ao Criador sobre todas as coisas.
E, assim, se foi grande, incontestavelmente grande Pasteur, descobrindo os infinitamente pequenos; se foi grande, incontestavelmente grande Newton, descobrindo as leis da atracção universal; se foi grande, incontestavelmente grande Lavoisier, descobrindo leis da química; se foi gran­de, incontestavelmente grande Ampere, descobrindo segredos da física: se foi grande, incontestavelmente grande Madame Curie, descobrindo o Poló­nio e o Rádio; se foi grande incontestavelmente grande o judeu Einstein, criando a teoria da relatividade: foi enorme o Poverello de Assis, quando beijava com caridade sobre-humana as chagas purulentas de seus irmãos represos; foi enorme S. João de Deus, transportando os feridos e doentes, com carinho inexcedível; foi enorme a rainha Santa Isabel, alimentando os pobrezinhos com o pão que a sua alma de eleita pode transformar em rosas de paz e de confiança; foi enorme S. Francis­co Xavier catequizando e apostolizan­do, ao levar a luz da Fé e a cultura das letras às mais remotas paragens das Índias e do Japão. São enormes os médicos que sacrificam o seu corpo às emanações do rádio, mutilando-o progressivamente em beneficio do seu semelhante.
Em suma, senhores: se o homem vale pelo cabedal de ciência que haja guarida em seu cérebro, também vale incontestavelmente pelas qualidades morais que hajam guarida em sua alma; pois que o homem, se é matéria sujeita às contingências das reacções químicas, é ao mesmo tempo informado por uma alma una e indivisível, substância simples, e corno tal incapaz de desagregação, e a desa­gregação é a morte.
Por outras palavras: ao lado reacções físico-químicas que constantemente se elaboram no nosso orga­nismo, possuímos um princípio de ope­rações materiais, ou melhor dizendo, de operações espirituais manifestado constantemente na noção exacta que temos de ideias abstractas tais como a ideia da Alvura, da Honra, do Dever; e somos capazes de afirmações cons­cientes e certas, mas verdadeiramen­te imateriais, como quando afirmamos que o todo é maior que qualquer das suas partes, que o espaço é infinito; e estas operações e estas concepções, sendo imateriais, só podem ser produzi das por um princípio que neces­sariamente é imaterial também e que é a alma humana.
Eu sou dualista, senhores; e cada, vez, encontro mais absurdo na con­cepção materialista da vida, que des­de o tempo de Demócrito, cinco séculos antes de Cristo, até nossos dias, vai reeditando hipóteses que demons­tram cada vez mais a imobilidade do erro em tal doutrina.
Segundo um grande pensador, a própria concepção monista da maté­ria, a mais engenhosa de todas as teo­rias materialistas, tentando explicar, pelas mesmas leis, os fenómenos físicos e os actos psíquicos, baseada na hipótese atómica, deveria tender a dar à matéria um gérmen de consciência; não foi, porém, possível demonstrar, tal gérmen de consciência na matéria.
E a própria hipótese atómica, jul­gada a pedra angular das ciências fí­sicas e até da fisiologia, desaparece tal como foi concebida, ao verificar-­se que o átomo é um conjunto de aniões e de catiões, unidos por formi­dável energia, em tudo idêntica à energia que mantém entre si todos os cor­pos do nosso sistema solar.
E, por isso, eu sou, dualista; por isso eu creio na existência material do corpo humano, informado por uma alma imortal. E se quereis, alunos, uma definição de alma absolutamente compreensível, eu recorro a Charles Nordman, astrónomo actual do Observatório de Paris, que afirma: “Cada um de nós sabe muito bem o que é a sua alma, ou pelo menos o que deno­mina assim: a minha alma é a minha personalidade consciente, é o que se reconhece como tal”. E é Nordman quem diz ainda: “As ciências físico-químicas, das quais faz parte a biologia, não saberiam neste instante trazer-nos a certeza na questão da imortalidade, pois tudo o que pode fazer a biologia é abordar a questão da alma imortal por ataques de flanco, por inquirições de detalhe, por golpes de sonda necessariamente fragmentários que não visam senão a simples probabilidade”.
E sendo assim, senhores, será a completa a educação do jovem quando de se cuida em especial da sua cultura física e intelectual, relegando para segundo plano a sua formação moral, que é anímica, que é essencial?
Por ventura valerá mais o homem robusto e culto, mas sem carácter e sem sentimentos nobres, que o homem de compleição débil embora, mas com aquela formação moral que lhe dê, em larga escala, os predicados admiráveis de nobreza de carácter, generosidade, coragem e abnegação? Creio firmemente que não; mas também creio que o homem vale tanto mais, quanto mais cure da sua formação moral paralelamente com a cultura intelectual e física.
Demasiado tem sido esquecido este assunto até nossos dias; demasiado se tem procurado criar músculos for­tes, sem uma vontade máscula que os guie, sem formação moral que os oriente.
Deixando, porém, as deficiências do passado, fixemos a nossa inteligência nas responsabilidades da hora presente; e esta hora de inquietação afirma-nos que uma nação vale tanto mais quanto maior for a alma do seu povo, isto é quanto maior for a edu­cação da vontade do indivíduo, a for­mação integral do seu carácter e nobreza das suas aspirações; não há nações grandes, por maior que seja o seu território, mas sim grandes nações, por minúsculo que esse território seja, desde que a alma do povo seja grande
Sopra do oriente uma onda cor­ruptora de desagregação social e de morte: é que nações grandes vivem numa agonia atroz, espezinhando a formação moral do seu povo, que em­brutecem materializando-o num regresso escravizante do paganismo de outrora, através de lutas fratricidas. E essas nações grandes, não são gran­des nações porque a alma do seu po­vo se encontra desfalcada no potencial de energia que eleve e que con­duza à beleza moral e à vida espiri­tual, que a cultura intelectual e física torna mais bela, mais corajosa, mais viva e mais generosa. Em contraposi­ção nações pequenas como Portugal, a Suíça, a Bélgica e a Holanda e tantas outras, são grandes nações pelo exemplo de Fé vivida nos seus destinos, de trabalho operoso e fecundo, de onde a paz é ordem, o progresso é civilização, e a moral a base da sua organização social.
Portugal, de modo particular, caminha para uma nova era de glórias, para uma nova era quinhentista, em que pelo espírito está mostrando no­vos horizontes ao mundo, na revela­ção do potencial da sua energia aní­mica que se abre em realizações ma­ravilhosas e fecundas, dominadas e orientadas pela moral.
.
Meus senhores:
Na história da antiguidade clássica vemos sem esforço, no que se refere à Grécia, que a hegemonia helé­nica alternativamente pertenceu a Esparta e a Atenas.
A primeira tinha como preocupação dominante tornar o homem soldado; no dizer de Consiglieri Pedroso, “as leis civis que em harmonia com a divisão das terras se instituíram, diziam respeito sobretudo à educação, proibiam o comércio, as artes e as indústrias e forçavam todos os cida­dãos ao mesmo modo de vida, cujo fim era exclusivamente formar valentes soldados para a república.
Outro tanto se não pode dizer de Atenas; segundo o mesmo autor, “o império Ateniense não se tornou so­mente respeitado pela força, mas principalmente pelo grau de prosperidade material e moral a que Atenas se ele­vou no período áureo do seu florescimento”.
Péricles foi amigo devotado das letras, das ciência e das artes, deu à Grécia um dos momentos mais brilhantes na história geral da civiliza­ção.
E, enquanto Esparta cultivava o homem material para o tornar solda­do, Atenas vivia vida intensa do espí­rito, relegando para segundo plano a cultura física. Se Esparta era brutal, Atenas era descuidada. Ambas labo­raram em erro; e daí o predomínio quer de uma quer de outra. Necessa­riamente que, a par da cultura física, a cultura intelectual e moral são abso­lutamente indispensáveis para a for­mação integral do homem; mas por­que Atenas se aproximou mais deste princípio, vencida embora, deixou ao mundo um momento notável de civili­zação; enquanto Esparta legou à posteridade os horrores da Rocha Tarpeia (não era a Rocha Tarpeia, que ficava em Roma, mas o monte Taigeto).
Da cultura física, todos nós conhe­cemos os efeitos imediatos que por vezes assombram; o jovem enfezado, vivendo sem higiene, sem ar e sem luz, de peito esquelético e cores ma­cilentas, cujos músculos se desenvol­vem atrofiando-se do mesmo modo que todos os órgãos, obtém pela cul­tura física inteligente e voluntaria­mente praticada, cores saudáveis, dando amplidão ao seu peito, e enri­jecendo os músculos, por um harmónico desenvolvimento de todos os órgãos.
Se é evidente o benefício da cultura física, preciso dizer-vos, caros alunos, que tal cultura só é óptima quan­do desenvolve harmonicamente todo o organismo; uns músculos hipertro­fiados em relação aos outros órgãos da economia e que causam a admira­ção dos leigos nestes assuntos são ín­dice certo de má ginástica, com as suas nefastas consequências.
A ginástica necessita ser não só criteriosamente e sabiamente orienta­da, mas sentida e vivida pelo educan­do; é necessário e indispensável que não seja praticá-la automaticamente; a condição primacial consiste em que seja executada por determinação en­dógena, isto é que, após o conheci­mento dos movimentos, o individuo
os deseje praticar com perfeição cres­cente; e neste caso o seu resultado é garantido e seguro.
Do mesmo modo vos quero dizer algumas palavras sobre a cultura in­telectual; antes de tudo aluno pre­cisa ter a consciência da sua cultura; em Portugal, como de resto em todo o mundo, ainda prevalece em muitos estabelecimentos de ensino o estéril verbalismo, o artifício da palavra contra a realidade da ideia.
E, a propósito, reproduzo o que li de “Climent Ferrer”: "Impossível parece que alguns varões de clara in­teligência e bem formado juízo nou­tras matérias, se percam no campo da pedagogia e tergiversem no concito da educação, até ao extremo de não compreenderem que, sendo as pa­lavras a expressão verbal das ideias, nada valem se unicamente saírem dos lábios cerno flatulências em desacordo com as ideais assim como, na oração, não brotando do íntimo da alma, de nada valem os murmúrios da prece”. Assim fala Ferrer.
.
Caros alunos:
Se para a ginástica ser proveitosa, é necessário que a vontade impe­re, do mesmo modo de nada vale a cultura a verbal se uma vontade cons­tante não procurar esclarecer o espí­rito da ideia que as palavras representam, para que elas sejam pronuncia­das com consciência.
E supondo-vos rapazes de consciência bem formada e bem orientada, afirmo-vos no entanto que é indispensável cuidardes da cultura da vonta­de que ajudará a consciência a per­sistir nas suas deliberações, contri­buindo enormemente para a vossa educação mora; e esta educação é essencial para vencerdes na vida, para que essa vida se possa tornar e digna de apreço e admiração.
Sem vontade forte, o homem é governado muitas vezes pelos instintos, por impulsões, pela sensibilidade e pela emotividade, como li algures. E o homem só o é verdadeiramente quan­do consegue dominar-se, tornando-se senhor dos seus actos e suas acções.
A vontade forja-se, a vontade adquire-se, a vontade cria-se.
E como? - perguntareis vós; é assunto que desenvolverei noutra pa­lestra educativa. Por agora fixai que a cultura da vontade é essencial para chegardes ao domínio de vós mesmos, primeiro e mais importante passo no caminho da educação moral.
E de novo afirmo que a vossa educação não será completa, será manca, será falha, se não tiverdes a preocu­pação de vos educardes moralmente.
Julgo tê-lo demonstrado no que deixo dito; mas ainda cito mais uma opinião sobre o assunto, a qual está em inteira harmonia com a dos mais sábios pedagogos. Conheceis Marden? Por certo; está na moda lerem-se os seus livros. Pois no livro só sobre “For­mação do Carácter" ele afirma que “há íntimo enlace entre as três ordens de educação física, intelectual e moral; demonstra que não são três educações independentes, que qualquer delas não pode ser eficaz sem as outras duas, que não é possível separá-las, que hão-de estar numa correspondência indissolúvel, porque cada uma delas educa um aspecto ou modalida­de do carácter único do ser humano, e é uma fase da única e indivisível educação integral".
.
Meus senhores:
Em breves palavras acabo de expor a V. Ex.cias qual o espírito que me anima nas funções que venho exercer.
Elas são múltiplas, complexas e variadas; e tanto basta, para que V, Ex.cias, senhores professores, depreendam que são preciosas todas as informações que me possam fornecer sobre qualquer anor­malidade quer física, intelectual ou mo­ral que encontrem num aluno. Se o assunto de que trato é em especial de ordem moral, é porque infelizmente é aquele que até hoje os poderes públicos mais têm esquecido e quiçá mais despre­zado.
Contudo o mau estudante pode ser moralmente bom; é necessário investigar da causa ou causas que determinam a sua inferioridade: um defeito físico que distraia a sua atenção? um atraso no desenvolvimento das glândulas de se­creção interna reflectindo-se na economia geral, na memória e na vontade? uma nevrose, causa dos seus movimentos e da sua inquietação? uma epilepsia lar­vada, que lhe diminua a inteligência e o torne turbulento, agressivo ou deso­nesto? um atraso no desenvolvimento intelectual e psíquico, por doença congé­nita ou atavismo patológico?
Só o médico poderá orientar e acon­selhar o que deve fazer-se para atenuar ou corrigir a causa da inferioridade.
Ao interesse de V. Ex.cias pelo inte­gral desenvolvimento de cada um dos alunos que nos são confiados, vem juntar-se o meu interesse numa modalidade por­ventura mais transcendente.
Mas eu venho coadjuvar V. Ex.cias na função nobilíssima que desempenham.
Os conhecimentos do médico, quer sob o ponto de vista psicológico, quer sob o ponto de vista terapêutico, higié­nico e anatómico, marcam-lhe uma posi­ção necessária junto da mocidade escolar para a encaminhar na vida precisamente na idade em que as ilusões mais a per­turbam com miragens não isentas de pe­rigos assustadores, que por igual podem atingir o corpo e a alma.
A medicina é uma arte transcendente e difícil, que exige para ser exercida com êxito, além de ciência, experiência. No caso presente o médico na sua fun­ção psicológica, em face do aluno inte­riorizado por causas de ordem moral, di­ficilmente pode ser substituído com van­tagem por outro professor que o não seja, porque, embora grande a sua cultura, fal­ta-lhe a experiência adquirida quotidianamente na luta constante entre a vida e a morte, numa ginástica psicológica que desenvolve necessariamente o poder de sugestão, o poder das afirmações con­vincentes embora falazes, mas que tendem a um único fim: tranquilizar um espírito atribulado, sossegar uma alma inquieta, servindo-se de todos os meios com a mais recta intenção para obter um bem que se deseja, em benefício de outrem.
E esta ginástica e esta luta, senho­res, criam condições de manifesta vanta­gem para o médico psicólogo que queira associar-se à cultura integral dos alunos nas nossas escolas.
Eu venho coadjuvar V. Ex.cias, dizia há pouco, mas preciso, em contraparti­da, que V. Ex.cias me ajudem nesta tarefa que pode ser atribulada em certos casos, mas que, alfim, nos há-de alegrar pelos frutos colhidos através do dever cumprido.
Observar um aluno estudando-o é fácil; mas observar e estudar centenas de alunos, procurando ser rigoroso nesse estudo e nessa observação, para ao fim de um ano poder preencher as respectivas fichas com consciência, é muito difícil, senão impossível; nos anos seguin­tes, porém, o trabalho será menos árduo, porque a maior parte dos alunos serão os mesmos.
Por agora, devemos preocupar-nos em especial com os alunos em inferioridade sob qualquer dos pontos de vista apontados. Facilmente V. Ex.cias reco­nhecem essa inferioridade porque são juízes forçados do seu aproveitamento e comportamento. Pois bem: indicar-me-ão esses alunos, dando-me os elementos que determinaram a opinião que em seu espírito se formou; e eu procurarei a caus­a ou causas do pouco aproveitamento ou do mau comportamento, tentando atenuá-­las ou corrigi-las dentro do possível
E, assim juntos os esforços, harmonicamente num mesmo desejo e numa mesma aspiração de bem servir e de ser útil, eu estou certo de que muito se pode e há-de fazer em benefício da mocidade escolar, tornando realidade a intenção do 1egislador que tão sabiamente marcou o trabalho a desempenhar pelos médicos escolares, dentro do estabelecimento de ensino.

O Dr. Dr. Abílio de Carvalho, acabado o discurso, foi muito aplaudido pela assistência, recebendo os cumprimentos e felicitações dos senhores Professores e de muitos amigos.
O Sr. Dr. Paulo de Cantos tomou de novo a palavra, proferindo este breve e interessante discurso:

Fala o Sr. Dr. Paulo de Cantos.

Cumpre-nos agradecer penhorados o belo trabalho do Ex.mo Sr. Dr. Abílio Garcia de Carvalho. Faço-o com a mais íntima satisfação e uma grande esperan­ça. Satisfação pela elevação, concisão, clareza, elegância, consciência e alma com que foi concebido, vivido, sentido e apresentado. Esperança pela promessa tácita que ele encerra.
Só se não pode concordar, de forma alguma, com as palavras de deferência que me dirigiu, mercê da sua bondade natural comprovada e da amizade pessoal que o liga a todos nós.
É bem verdade que, durante o período escolar, se passam nos alunos três crises a que é preciso assistir: a crise sentimental, a crise das faculdades intelectivas e a crise profissional (com a escolha da carreira, etc.). Todas elas são derivadas da chamada crise fisiológica, que ninguém pode conhecer melhor do que um clínico. Ajudemos portanto o clí­nico competente e especializado, pois ele vem precisamente para nos ajudar.
Esforçai-vos, também, meus caros alunos, porquanto se visa a vossa vitória final na vida prática, que é a vitória de­finitiva de amor dos vossos pais, e tam­bém a nossa própria vitória.
Entretanto interpretai à vontade a singular historieta de certo aldeão que ti­nha um bom pedaço de terra crua na sua freguesia. Um dia passou por lá um ca­çador da cidade, parou, observou-o disse-­lhe:
- Mas que rica terrinha você aqui tem! Isto naturalmente dá trigo!?
- Não senhor - responde o homem - não dá.
- Admira. Então milho dá, com certeza!
- Engana-se Bossa Senhoria, tam­bém não dá.
- Essa agora tem graça! Mas olhe lá, ó santinho, você já experimentou aqui alguma vez semear?
- Ora, ora, adeus! - retorquiu o patego - Pois semeando é claro que dá…
Ai, já vos rides? Mas agora reparai que assim mesmo são alguns de entre vós. No fim do ano andais tristes como ciprestes e às vezes até choram como videiras, só porque não semeiam a tem­po e horas do seu espírito a alegria do trabalho honesto que tudo vence, a confiança no trabalho altruísta que tudo alcança!
Ah, que se muitos quisessem veriam como dava!…
O bom senso popular afirma que “quem não sabe é como quem não vê”. E quem não vê tropeça e sofre a cada passo. Além disso aos que tal aconteça crescem imenso as orelhas, tornam-se-lhes muito compridas e abanem escandalosamente pela vida fora. Compreen­deis? Se os imitardes, sereis de uma modéstia comprometedora, ficareis condenados a burrinhos por toda a vida.
Crede que a coisa pior que há no mundo é não saber que é preciso saber. Também, ao contrário, a coisa melhor que há no mundo é a satisfação do dever cumprido. Ora ponde aqui os olhos nos nossos laureados do ano findo, nos nossos alunos mais altamente classificados. Vão receber os prémios recebidos pela benemérita Associação dos Antigos Alunos, cujo Vice-Presidente nos dá a honra da sua comparência a esta festa. Para eles pois, os do Quadro de Honra, honras os aplausos.
Quem sabe é quem triunfa!
Possam algum dia porventura aumentar em nome e renome a glória eterna de Portugal ou, mais ainda, contribuir de qualquer forma para o progresso moral, mental e material da rude e mísera Humanidade.
Nesse momento começou a distribui­ção dos prémios pelos alunes que mais se distinguiram no ano lectivo transacto, tendo a assistência aclamado esses alunos cujos nome damos abaixo.
E o Sr. Dr. Paulo de Cantos conclui:

Meus senhores: em nome de S. Ex.cia o Sr. Ministro da Instrução Pública, está iniciado o ano lectivo de 1934-1935 neste Liceu de Eça de Queiroz. Que ele seja um ano verdadeiramente feliz, pro­pício a todos, são os nossos sinceros votos. Meus amigos: tenho dito e muito obrigado.
Uma prolongada salva de palmas re­matou a impressionante e entusiástica festa da abertura das aulas no Liceu, que nos calou bem fundo na alma.

Alunos premiados

5.ª CLASSE
Apolinário José dos Reis Pereira
Juvalino Vieira Lino
Cremilde Celeste de Oliveira

4.ª CLASSE
Acácio Fidalgo de Matos
Mário Fernandes da Ponte
Natalina dos Anjos Ferreira

3.ª CLASSE T. B.
Júlio de Oliveira Pinho
Maria Fern. de Almeida Eça Guimarães

3.ª CLASSE T. A.
Joaquim Azevedo Martins da Costa
Miguel Montenegro de Andrade

2.ª CLASSET. B.
Manuel Ribeiro
Maria Agostinha Pinto Lopes

2.ª CLASSE T. A.
Claudionor dos Santos Sobral
Hermínia Pereira de Bacelar Ferreira
Fernando Manuel de A Eça Guimarães

1.ª CLASSE T. B.
Admário Esmeriz Ferreira
António Augusto Lopes de Pinho

1.ª CLASSE T. A.
Manuel Adriano de Freitas
Sérgio da Gama Simões Dias

Idea Nova, 13/10/1934

---------------
(1) Do Comendador Dr. Abílio Garcia de Carvalho vimos uma vez escrito num jornal que era professor do Liceu, mas foi apenas o seu diligente médico escolar. Presidiu à Câmara da Póvoa e era um bom comunicador. Em 1937, foi fazer duas conferências a Évora, que foram apreciadas assim:

Na primeira conferência, revelou-se S. Ex.cia um fino burilador da frase, espírito de cultura invulgar, dicção impecável, além de, em todo o seu dizer, se traduzir a convicção profunda do que se afirmava em suas palavras quentes e apropriadas.
Esta conferência foi o exórdio, a apresentação necessária do grande trabalho apresentado no dia 1 de Junho, “A Eucaristia e a Medicina”. Desse discurso deve dizer-se o mesmo que das grandes obras musicais: não se podem descrever, é necessário ouvi-las. Com efeito, saber mais profundo, convicção mais íntima, erudição mais vasta exposição mais perfeita e até mais ardente não é fácil encontrar-se em orador que seja ao mesmo tempo médico.
A impressão causada por ambos os trabalhos, mas sobretudo por este último, está bem gravada em quantos tiveram a aventura de ouvir a voz autorizada do Sr. Dr. Abílio Garcia de Carvalho.
A S. Ex.cia, em nome dos católicos de Évora, apresentamos os nossos agradecimentos muito sinceros e fazemos votos para que brevemente volte a esta nobre e culta cidade transtagana mimosear-nos com obras do quilate das duas últimas e comunicar-nos o fogo da sua fé e o seu acendrado amor a Deus e às Igreja.