sexta-feira, 20 de agosto de 2021

 

5. Uma célebre farpa de Eça de Queirós

Há uma célebre farpa de Eça de Queirós, de Março de 1872, intitulada “Melancólicas reflexões sobre a instrução pública em Portugal”. Deve tratar-se dum escrito profundamente injusto para os governantes do tempo, sabendo-se como tinham recebido o país.

Transcrevem-se dois fragmentos dela. O primeiro aborda a situação salarial do professor de instrução primária, considerada humilhante pelo escritor:

“O professor de instrução primária é o homem no país mais humildemente desgraçado e mais cruelmente desatendido.

Sabem quanto ganha um professor de instrução primária? 120$000 réis por ano, 260 réis por dia! Tem de se alimentar, vestir, pagar uma casa, comprar livros, e quase sempre comprar para a escola papel, lápis, lousas, etc. – com treze vinténs por dia. Note-se que para a alta moralidade da sua missão, o professor deve ser casado. Pois bem, para criar uma família – treze vinténs por dia!”

O segundo refere a relação das câmaras com a instrução e fala sobretudo de Suas Senhorias os vereadores:

“Em primeiro lugar a instrução pública entre nós está todo a cargo do Governo.

As câmaras municipais, que por uma velha tradição nunca se ocuparam das coisas da inteligência – não dão sequer esmola ao ABC. Uma câmara tem antes de tudo, como objecto, macadamizar comodamente as ruas ou as vielas de SS. S.as os vereadores; depois tem de construir as estradas que levam às quintas onde SS. S.as os vereadores, de tamancos e colete aberto, suam sob a folhagem da faia – sub tegmine fagi; depois tem de empregar, subsidiar, e em geral manter todos os afilhados de SS. S.as os vereadores. Quando chega a passar o ABC, SS. S.as têm a iniciativa cansada e a bolsa esvaziada”.

A abertura e macadamização das estradas estava na ordem do dia, mas isso corrigia um mal de séculos e preparava o futuro.

A expressão sub tegmine fagi vem duma écloga de Virgílio e quer dizer “à sombra da faia”.

Parece-nos que na Câmara da Póvoa o bem público imperava bastante mais do que o escritor faz crer: não se vê que os vereadores (e conhecemos o que se passou com vários) obtivessem grandes benefícios do exercício do cargo.

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