sexta-feira, 20 de agosto de 2021

 4. Os estudantes do Liceu na poesia de Bernardino da Ponte


Bernardino da Ponte era natural de Aver-o-Mar e foi um poeta autodidacta, falecido em 1917. Os seus poemas possuem uma qualidade bem acima do que seria de esperar num escritor com a sua formação escolar.
No Liceu, na altura, os estudos não deviam ir além do actual nono ano, pelo que os académicos a quem estes versos são dedicados eram meros adolescentes.


As quatro estações

Aos académicos do nosso Liceu

A primavera da vida,
Gerada d'áureo sorriso,
É como visão querida,
Dum ideal paraíso.

Diluem-se as amarguras
«Nesta quadra sedutora»,
Ao calor de mil venturas
Ou no regaço d'aurora.

A vida antolha-se amena,
Sem leve sombra de mágoa,
Deslizando tão serena
Como cisne ao lume d'água.

Quando, porém, o Estio,
Com seu gesto abrasador,
Abate as águas do rio
E muda aos prados a cor;

Eu vejo em trigal maduro
Que se baloiça à vontade,
Na perda do verde escuro,
A perda da mocidade.

Se por grisalhos cabelos
Passam ventos outonais,
Adeus, férvidos anelos
Do tempo que não vem mais.

O Inverno carrancudo,
Dando-nos fria guarida,
É algoz que tolhe tudo
Até nos deixar sem vida.

CPV - 20 de Janeiro de 1912


A caridade

Aos estudantes do nosso Liceu

Com seus sorrisos de fada
E com seu manto estrelado,
Lá sobe a íngreme escada
P'ra valer ao desgraçado
Que habita n'água-furtada,
Pela fome torturado.

Aqui recolhe lamentos
De quem se estorce e agoniza,
Além prevê desalentos,
Angústias mortais suaviza
E traça deslumbramentos
Na fé que pura desliza.

Onde houver catres desfeitos…
Pocilgas de pobrezinhos…
Débeis crianças sem peitos,
Quais avezitas sem ninhos…
Da esperança os efeitos
Lá traduzem seus carinhos.

Com seus dons beneficentes
E a mais alta abnegação,
Regenera almas descrentes…
Ergue ardente contrição.
E nos olhos refulgentes
Lê-se-lhe amor e perdão.

Quando ressoam clamores
Da desolada orfandade
Contra infames opressores…
Redobra então de piedade,
Debuxando a ricas cores
Primores da caridade.

……………………..

Tal é a virgem singela,
Fundadora d'hospitais,
P'ra quem a miséria apela
Nos seus embates fatais...
Sendo por isso a mais bela
Das virtudes teologais.

INT - 31 de Maio de 1917 (póstumo)


Aos académicos do nosso Liceu

Briosa mocidade, eu vos bendigo
Por ver em vós redentora luz,
A luz da liberdade, que traduz
O que há de mais nobre em peito humano ...
Em torno de pedantes que se elevam,
Espadanando sombras tenebrosas,
Ergue-se um mar em ondas alterosas,
Fustigado por vento soberano.

Esse vento, gerado pela história,
Da mocidade os cérebros sacode…
Transformado em tormenta, que bem pode
Derrubar pedestais, rasgar troféus.
Quem há-de resistir-lhe? Energúmenos?
Os ciosos de mando' Algum verdugo?...
Levanta-te da campa, Victor Hugo,
Vem abordar os novos fariseus I

A Pátria livre, a Pátria que adoramos
Geme presa às paixões desenfreadas;
Libertá-la é dever, mas sem espadas,
Sem canhões, sem metralha aterradora...
Os pífios inimigos não se batem,
Em obediência às leis da cobardia...
Uma única coisa os entibia:
A luz ridente duma nova aurora.

Rutilante horizonte que define
Soberano poder junto à Coroa,
Oferece monção serena e boa
De trilhar um caminho mui seguro...
O império da lei deve manter-se,
Sem peias de venais politiqueiros...
Dos antigos conventos os braseiros
Fornecem luz à marcha do futuro.

Por isso, mocidade, eu vos bendigo
Por ver em vós a luz que nos redime…
Retê-la sem fulgir seria crime
Ou dar alento às mais nefastas greis…
As hostes aguerridas do Mindelo,
Que o santo amor da Pátria nortearam,
Aos quatro ventos, alto, proclamaram
Que só a liberdade escuda os reis.

Poema não datado

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